Belém – PA: Integrantes das associações e cooperativas agroextrativistas do município de Mazagão, no Amapá, trouxeram suas demandas e expectativas de diferentes perspectivas de dentro da Reserva Extrativista do Cajari para o palco da COP30, em Belém. Em meio à crescente crise climática que afeta visivelmente suas produções e a vida comunitária, a principal reivindicação dos extrativistas é por financiamento direto para o desenvolvimento das cadeias produtivas. Além disso, foi debatido sobre uma solução para a dependência dos atravessadores e pela ampliação e conservação da Reserva do Cajari.
A comitiva, que integra a delegação do Conselho Nacional de Seringueiros (CNS), reforça que proteger a floresta em pé é intrinsecamente ligado à garantia de meios de vida sustentáveis para quem nela habita e trabalha.
A dependência por atravessadores
Um ponto de convergência nas falas dos extrativistas é a frustração com a figura do atravessador, que controla grande parte do escoamento da produção e a formação de preços.
Francinei Tavares, da Associação de Moradores e Produtores da Reserva Agroextrativista do Baixo Cajarí (AMPRAEX-CA), relata o custo altíssimo para escoar a produção de farinha e açaí. A logística para vender as produções na cidade depende dos atravessadores que cobram um valor alto e variado, gerando prejuízo para o extrativista.
“Hoje estão pedindo a R$ 10 um saco de farinha por frete. E quando não é por saco, ele faz o lote inteiro de 1.000 a 2.000 reais numa embarcação para trazer uma carga de farinha para a cidade. Então é uma dificuldade grande que a gente hoje passa com essa logística, a falta de transporte lá para as associações para auxiliar os agricultores dentro da reserva”, explica Francinei.

Ozanei Ribeiro Pinto, presidente da Cooperativa Mista dos Trabalhadores Agroextrativista do Alto Cajari (COOPERALCA) diz que a falta de desorganização do movimento social de base dos extrativistas, aliada à dificuldade de acesso a capital de giro, abre espaço para os atravessadores. Para ele, o que motiva os extrativistas a vender o seu produto a qualquer preço para os atravessadores é o pagamento imediato pela castanha.
“Os atravessadores se organizam através do poder capitalista, com acesso a dinheiro, chegam lá e colocam dinheiro na mão dos próprios extrativistas para comprar a castanha de maneira mais fácil. Enquanto as cooperativas não conseguem arrumar uma brecha de financiamento, de estoque através da CONAB para financiar a cooperativa para comprar e pagar de imediato essa castanha”, relata Ozanei.
Antonio Ramos, presidente da Associação dos Trabalhadores Agroextrativista do Alto Cajari (ASTEX-CA), e os demais líderes reforçam que a solução passa por políticas de incentivo às associações e cooperativas, permitindo que elas financiam diretamente a produção e o beneficiamento nas comunidades, minimizando a dependência de intermediários.
“A nossa expectativa é realmente mais política pública voltada aos povos da floresta. A gente não fala somente do extrativismo, da agricultura, mas no geral. A gente tem uma expectativa muito grande sobre política de incentivo às associações, à cooperativa, diretamente para comunidade”, relata Antônio.
Crise climática e a luta pela água
A crise climática é uma realidade palpável e recorrente nas falas. A seca extrema e o calor intenso estão alterando os ciclos da natureza e afetando a saúde das comunidades.
Suzan Rayra, da Associação de Mulheres Agricultoras do Assentamento do Piquiazal e Ramal do Camaipi (AMPC), afirma que o calor intenso tem causado problemas de saúde, como pressão baixa ou pressão alta.
“Três dias antes de vir para cá, lá na comunidade onde eu moro, o poço secou. Então, se não tem água nem para gente tomar banho, quem dirá para as plantas”, comentou.

Ozanei Ribeiro Pinto, da COOPERALCA, aponta que os danos à produção são visíveis e generalizados. Nos últimos anos, ele percebeu que a seca vem afetando tanto a produção de castanhas e produtos não-madeireiros, quanto da agricultura familiar. Ele nota que até o dia-a-dia no campo está mudando.
“A gente não consegue ficar na roça mais das 10 horas em diante como antes, a gente percebe que muitos polinizadores também se ausentaram dessas áreas e que a pupunha e o açaí deram tarde e em menor quantidade”, diz Ozanei.
Por sua vez, Francinei Tavares, do Baixo Cajari, lamenta as perdas na cultura da mandioca, base de sua economia. Segundo o presidente da associação, a morte das manivas é decorrente da grande seca que afetou a região, afetando a produção e a geração de renda dos extrativistas.
“A cada ano, estamos sendo prejudicados mais com a nossa produção. Entre os meses de novembro a dezembro, a seca começa a se intensificar. Na COP 30 se fala muito em crise, mas é preciso falar no suporte para agricultura familiar e de mecanismos para que possa auxiliar melhor a nossa produção e a nossa qualidade de vida lá dentro [da reserva do rio Cajari]”, comenta Francinei.
Ampliação da Reserva do Cajari: Proteção e Futuro
A conservação e ampliação da Reserva Extrativista do Cajari, em Mazagão, é uma demanda crucial que une os extrativistas. A reserva é vista como o mecanismo que garante a sustentação da floresta e a fonte de vida de centenas de famílias.
Ozanei Ribeiro Pinto coloca a expectativa na reeleição do governo federal e em uma mudança no Congresso para eleger mais congressistas favoráveis à criação e ampliação de Unidades de Conservação (UCs). Para ele, a reserva promove bem-estar, garante alimentação e renda.
“No nosso caso da Reserva do rio Cajari, gostaríamos de ampliar a reserva extrativista para cima dos castanhais que são de fato de atividade dos extrativistas que moram dentro da unidade. Queremos mais projetos que tragam mais infraestrutura para dentro das unidades para financiar, para apoiar os extrativistas, a gente vê ainda um índice muito baixo desses investimentos”, diz Ozanei.

Francinei Tavares expressa a importância da reserva para a soberania alimentar das comunidades que vivem na unidade de conservação e reclama que muitas famílias não são contempladas por políticas públicas na região.
“É muito importante a reserva para nós, porque através da reserva que hoje a gente ainda está sustentando a floresta lá. Eu queria que os governantes olhassem com mais carinho para aquela localidade, porque são mais de 300 famílias que hoje lá vivem dentro do Lago da Ajuruxi, fora o Baixo Cajari, que me parece é uma faixa de 1500 famílias. Todos precisando de uma poítica pública que ampare a cadeia produtiva”, comenta Francinei.
A mensagem dos extrativistas do Amapá na COP30 é clara: para que a Amazônia cumpra seu papel climático global, é preciso fortalecer as bases. Isso significa políticas de incentivo diretas, superação da logística precária e apoio à agregação de valor, tudo ancorado na conservação e expansão de seus territórios tradicionais.




