A decisão do IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) de emitir o licenciamento para a perfuração marítima no bloco FZA-M-59, na Bacia da Foz do Amazonas, configura um atestado de incompetência. O órgão demonstrou um comportamento profundamente contraditório ao longo do processo, alternando pareceres técnicos fundamentados na legislação com decisões discricionárias claramente influenciadas por pressões políticas. Esse padrão tem fragilizado o licenciamento de atividades de alto risco ambiental no país. Não é à toa que existem tantos políticos nas redes sociais jogando confete em si mesmo diante da insegurança eleitoral que os cercam.
Não cabe aqui uma análise retroativa do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) que embasou a emissão da Licença de Operação 1684/2025, mas sim destacar algumas questões que mostram a fragilidade do sistema de licenciamento ambiental federal, principalmente quanto a garantias de baixo risco da atividade de perfuração de petróleo e gás na Foz do Amazonas.
O EIA elaborado em 2015, ainda sob os auspícios da British Petroleum (BP), apresentou um “estudo ambiental de abrangência regional”, exigido pelo Ibama sob uma interpretação questionável do artigo 19 da Portaria MMA nº 422/2011. No caso do licenciamento ambiental para a perfuração marítima no bloco FZA-M-59, na bacia da Foz do Amazonas, o EIA deveria ter apresentado dados primários da “área de influência direta” da atividade. O EIA carece de uma definição precisa da “área de influência direta”, apresentando, em vez disso, uma área de influência do empreendimento que se estende do Amapá ao Pará, configurando uma inconsistência metodológica.
Consequentemente, o EIA passou a ser um conjunto de previsão de impactos ambientais identificados a partir de estudos de outros empreendimentos similares de exploração de petróleo e gás. Um exemplo disso é que a maior polêmica do licenciamento ambiental se concentrou nos riscos de derramamento de óleo e a consequente destruição de ecossistemas costeiros da região.
Diante da ausência de pesquisas com séries históricas das variáveis hidrodinâmicas da região, as simulações e análises de risco de acidentes foram realizadas com modelos oceânicos globais. Simulações de derramamento de óleo realizadas com o uso de derivadores indicaram que o óleo pode chegar rapidamente aos manguezais do Amapá e Pará e em águas internacionais de outros países, o que seria trágico para o meio ambiente e para a diplomacia brasileira.
O Plano de Proteção à Fauna tornou-se o principal condicionante da Licença de Operação emitida pelo Ibama. Contudo, a licença foi negligente com os impactos do meio físico e principalmente do meio socioeconômico, considerando um processo iniciado em 2014 e que realizou 65 reuniões técnicas setoriais em mais de 20 municípios dos estados do Pará e do Amapá, conforme nota à imprensa divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática. A nota da Ministra Marina Silva “é apenas um sinto muito”.
A geração de expectativas na população é um exemplo de impacto socioeconômico negligenciado no EIA. No estudo este impacto foi classificado como de importância média. O Ibama concordou com essa classificação? Em caso afirmativo, quais as providências para monitorar as medidas mitigadoras apresentadas no EIA, considerando que a empresa responsável afirma que adotará medidas de comunicação social para “diminuir a geração de expectativas na população e restringir as mesmas para a realidade desta atividade”.

Entretanto, este impacto já está acontecendo no município do Oiapoque, um dos municípios da área de influência direta. Portanto, a condicionante 2.12 da Licença de Operação 1684/2025 não se aplica mais. É letra morta na licença. Impactos não mitigados devem ser compensados. Como se dará a compensação desse impacto?
Vale ressaltar que o processo já havia recebido recomendação de arquivamento pelo alto risco ambiental da atividade, além de comprometer as metas climáticas do Brasil em relação ao Acordo de Paris, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, sigla em inglês).
O licenciamento ambiental da próxima fase, referente à produção de óleo e gás no bloco FZA-M-59, na bacia da Foz do Amazonas, deve iniciar-se em breve. As lições aprendidas da fase de perfuração devem ser devidamente analisadas e internalizadas e, os órgãos de controle precisam dar mais atenção aos princípios da precaução e do não retrocesso ambiental.
Ainda assim, “não há limites para a esperança”, tema do próximo Congresso Mundial de Educação Ambiental. Na COP 30, o possível anúncio pelo presidente Lula da criação da Reserva da Biosfera Norte da Amazônia-Platô das Guianas e do Ministério da Amazônia renova essa esperança.
Marco Antônio Chagas
PesquisadorDoutor em Desenvolvimento Socioambiental. Professor do Curso de Graduação em Ciências Ambientais e do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento da Amazônia Sustentável da Universidade Federal do Amapá.
Contato: marco.chagas@unifap.br.

