“O CANTO DOS PÁSSAROS NOS AVISA DAS MUDANÇAS”: JUDITH PRIAM RELACIONA BIOACÚSTICA, EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CRISE CLIMÁTICA NA AMAZÔNIA E NA GUIANA FRANCESA.

                                              Judith Priam durante a COP30 em Belém. Foto: Rudja Santos. A pesquisadora Judith Priam apresentou durante a COP30 em […]

                                              Judith Priam durante a COP30 em Belém. Foto: Rudja Santos.

A pesquisadora Judith Priam apresentou durante a COP30 em Belém, os resultados de mais de uma década de estudos sobre o comportamento acústico das aves na Guiana Francesa e na Amazônia brasileira, mostrando como o canto e os gritos dos pássaros funcionam como bioindicadores das transformações ambientais em curso. O método que desenvolve une conhecimento tradicional, gravações sistemáticas, ciência cidadã e acompanhamento contínuo das mesmas áreas, permitindo detectar variações sutis no ambiente antes que elas se tornem visíveis para a maior parte das pessoas. “Escutando os pássaros, podemos entender o que está mudando no ambiente”, afirmou, destacando que há “duas formas de aprender com os pássaros”: a sabedoria das comunidades que convivem diariamente com a floresta e a codificação científica dos cantos, capaz de revelar padrões e alertas diante de mudanças climáticas.

Em um dos áudios reproduzidos, um pássaro emite um chamado urgente. “Esse é um grito de alarme. Ele avisa que algo mudou no habitat”, explicou. Em outro registro, o canto se torna mais nervoso e acelerado. “Este canto mostra que o pássaro está em alerta. Ele indica que o tempo mudou, que o ambiente mudou.” Para Priam, sons como esses são sinais diretos de transformações ecológicas que passam despercebidas por quem não possui o treino necessário para identificá-las. A interpretação comparada desses sons exige tempo, repetição e atenção a mudanças de comportamento em ciclos longos. “É observando o mesmo lugar por anos que conseguimos entender as mutações do clima no habitat onde eles vivem”, afirma. 

Dois vídeos exibidos mostravam situações de campo. Em um deles, um adulto alimenta o filhote — comportamento que, segundo Priam, pode ser afetado por alterações climáticas. A pesquisadora explica, “esse tipo de registro ajuda a entender o comportamento em ambientes que estão sofrendo pressão”. Em outro, uma espécie costeira aparece cada vez mais no interior de um rio. “Isso não está documentado nos relatórios, mas nós registramos com os alunos”, apontou. Segundo ela, deslocamentos assim podem indicar mudanças na disponibilidade de alimento, temperatura da água ou perturbações silenciosas nos ecossistemas.

Em Belém, observações recentes reforçaram essa percepção. “Hoje eu vi tucanos e outros pássaros com um canto diferente, um canto de alerta. Eles estão mostrando mudanças no ambiente onde vivem.” Para Priam, aves são sentinelas: percebem alterações antes de qualquer outro indicador biológico — e comunicam isso pelo som.

Sua atuação não se limita à pesquisa científica. Priam desenvolve o que chama de “signification écosystémique et codification des cris et chants aviaires face aux enjeux du changement climatique” — um método que interpreta o canto das aves como mensagem ecológica diante das pressões climáticas. O trabalho inclui a formação de jovens, produção de curtas-metragens e participação em iniciativas que usam a escuta como ferramenta de educação ambiental. Ela integra o programa internacional A Pilot Program on Avifauna in French Guiana, dedicado ao monitoramento acústico e visual de espécies tropicais, e também atua no projeto L’Expert en Changement Climatique, que treina estudantes para analisar impactos climáticos por meio da observação da fauna.

Os curtas-metragens produzidos com estudantes são inscritos em concursos como o JE FILME LE MÉTIER QUI ME PLAÎT, da França, voltado à formação profissional pelo audiovisual. Um desses filmes — centrado justamente na leitura ecológica dos cantos das aves — recebeu menção na Assembleia Nacional, em Paris, dentro do prêmio Éco-Maires concedido à Cidade de Saint-Laurent-du-Maroni. O reconhecimento destaca não apenas a relevância científica, mas a dimensão pedagógica e comunitária do trabalho, que transforma jovens em observadores ativos das mudanças socioambientais.

A articulação entre ciência e educação se reflete também na mobilização de Saint-Laurent-du-Maroni, onde o município realizou duas edições de uma competição de canto de aves. “O município já fez duas edições de uma competição para valorizar o canto aviário e incentivar a população a estudar o ambiente”, afirma. Segundo Priam, iniciativas assim despertam atenção para sinais que a floresta já emite, aproximando moradores de sua biodiversidade e incentivando a vigília ambiental de longo prazo.

Os alertas emitidos por Priam encontram respaldo em pesquisas científicas de longo prazo. Um dos estudos mais robustos é o conduzido pelo ecólogo Vitek Jirinec, pelo brasileiro Philip Stouffer e uma equipe da Louisiana State University, publicado na revista Science Advances em 2021. A pesquisa analisou mais de 15 mil aves de 77 espécies ao longo de quatro décadas na Amazônia central, registrando que quase todas apresentaram perda média de 2% de peso corporal por década, além de alongamento das asas em cerca de um terço das espécies. As mudanças foram observadas em áreas de floresta primária intocada, longe de desmatamento humano direto. O estudo também demonstra que, desde a década de 1960, as temperaturas na região analisada aumentaram cerca de 1°C na estação chuvosa e 1,6°C na seca, enquanto a precipitação se tornou mais irregular, com 13% mais chuva na cheia e 15% menos chuva na seca. Para os autores, essas mudanças morfológicas — corpos mais leves e asas mais longas — representam respostas fisiológicas diretas à intensificação da crise climática.

Priam observa fenômenos semelhantes na África, onde áreas de floresta e costa têm desaparecido rapidamente, ela conta que “em dez anos, vi muitos lugares sumirem. As aves têm de se adaptar e encontrar para onde ir”. A constatação reforça a necessidade de estudos transfronteiriços, especialmente na região amazônica, onde Brasil, Guiana Francesa, Suriname, Caribe e Peru compartilham paisagens, espécies e vulnerabilidades. “É importante estudar bioindicadores comuns. Na semana passada eu estava na Guiana Francesa observando pássaros; aqui, vi comportamentos diferentes. Comparar esses dados é essencial”, conclui.

Manter pesquisas contínuas, porém, não é simples. “A escala do problema exige colaboração. Quem paga por esses estudos é sempre um desafio”, afirma. A defesa da pesquisadora é clara: só a observação de longo prazo permite compreender a magnitude das transformações ambientais — e formar jovens para assumir esse trabalho é parte fundamental da resposta necessária aos próximos anos; “são dez anos voltando aos mesmos lugares, observando as mesmas espécies, ano após ano. Só assim conseguimos entender o que os pássaros estão tentando nos dizer.”

A floresta, segundo ela, já está falando. E os pássaros — com seus cantos alterados, deslocamentos incomuns, mudanças corporais e avisos sonoros — são hoje as vozes mais nítidas da crise que atravessa o clima e os ecossistemas amazônicos.

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