A COP Quilombola da Amazônia começou nesta segunda-feira (22) e segue até sexta-feira (26), no Centro de Cultura Negra do Amapá, em Macapá, sede da União dos Negros do Amapá (UNA). O encontro reúne lideranças quilombolas, representantes do governo estadual e apoiadores, com o objetivo de fortalecer a luta por justiça climática, titulação de terras e protagonismo quilombola. A expectativa é construir a Carta do Amapá, documento com as principais demandas do movimento, que será aprovado ao final do evento e apresentado na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém.
A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), organizadora do evento, espera que cada debate realizado ao longo da semana contribua para a construção do documento.
A programação prevê painéis sobre os impactos das conferências climáticas anteriores nos territórios quilombolas, justiça climática, biodiversidade e racismo ambiental. Também será apresentado um plano de educação quilombola voltado à formação de jovens lideranças, além de discussões sobre a participação da Conaq em conferências internacionais.
A abertura do evento ocorreu nesta segunda-feira e teve o batuque das caixas de marabaixo, expressão cultural afro-amapaense, apresentando a ancestralidade no encontro. Entre flores brancas nos cabelos e saias rodadas que dançavam em ritmo forte, a espiritualidade e a resistência deram o tom da abertura. O compasso firme, repetido há gerações, não era apenas música, e sim o chamado ancestral para a luta e confirmação da resistência.
Abertura com marabaixo e discursos de resistência
A anfitriã Elisia Congó, presidente da UNA, resumiu o espírito da noite com uma acolhida. “Sejam bem-vindos. A casa é nossa. É de vocês. Estão no melhor lugar do mundo, Macapá”. Ela lembrou que o estado do Amapá é uma Amazônia negra, onde grande parte da população se declara afrodescendente, mas que ainda vive sem transporte digno, saúde de qualidade ou moradia adequada. “Não adianta falar em manter a floresta em pé se a população quilombola continua passando fome. É desumano”, destacou.

Logo após a apresentação cultural, lideranças se manifestaram ressaltando e lembrando os ataques, os preconceitos e as adversidades sofridas ao longo de anos de luta pelos direitos do povo quilombola e também exigiram protagonismo, respeito e reforçaram a importância da titulação dos quilombos nos estados da Amazônia Legal como fator determinante para a preservação da floresta.Jesus Trindade, da comunidade Maracá, subiu ao palco do evento e pediu silêncio para uma oração em memória dos que morreram na luta dos povos quilombolas. “Este encontro é fruto de toda a luta passada, como cantado no hino da negritude. Que possamos levar o maior número de delegados à COP30 para trazer frutos para nossas comunidades”, disse.

Em seguida foi a vez de Mãe Iolete, liderança das religiões de matriz africana, erguer a voz contra a intolerância religiosa. “Sofremos muito preconceito. Cada evento como este é uma forma de combatê-lo. Que possamos elevar a [religião de] matriz africana na união, na paz e no amor”.

Titulação, protagonismo e justiça climática entre as prioridades
Entre as principais reivindicações das lideranças, destacam-se três prioridades: a titulação dos quilombos, o reconhecimento do protagonismo quilombola nos debates climáticos e a justiça climática.
Sebastião Douglas de Castro, da Conaq no Amazonas, defende a formação de um bloco regional para levar a pauta da titulação de terras com força à cúpula do clima e mostrar que o reconhecimento de quilombos mantém a floresta em pé. “A dificuldade de titular territórios quilombolas revela um conflito estrutural. É muito mais fácil demarcar terra indígena do que titular território quilombola, porque a indígena continua sob posse da União. Já o território quilombola passa a ser da comunidade. É por isso que há tanta resistência”, ressalta.
Ele afirma que, hoje, Pará, Amazonas e Amapá já têm um alinhamento forte para poder debater com força esse tema na conferência do clima. “Criamos uma coalizão negra amazônica para chegar à COP30 não apenas com presença, mas com voz e vez nas mesas de negociação”, destaca.
José Silvano, da Conaq em Oriximiná, no Pará, ressalta que a preservação da floresta só foi possível, até agora, graças à resistência dos quilombos.
“A floresta está viva porque os quilombos resistiram. Mas seguimos sendo tratados como se não existíssemos quando se discute o clima em nível nacional e internacional”, afirmou. Silvano diz que, por muitos anos, os quilombolas foram guardiões do clima sem reconhecimento nas grandes conferências globais. “Agora, temos a oportunidade de participar como protagonistas. O mundo precisa saber que a Amazônia é quilombola. Sem nós, não haverá justiça climática”, completa.
Na mesma linha, Érika Thaís, da Associação Malungu, afirma que a centralidade da luta pela terra é para a defesa do meio ambiente. “Sem titulação, não há preservação. É isso que precisamos gritar juntos”.
Já Joelma Menezes, do Quilombo do Rosa, em Macapá, conta que os efeitos da crise climática já são sentidos no cotidiano: a seca compromete a colheita, a chuva descompassa o plantio e rios antes cheios agora passam dias em que mal se pode pescar. “A floresta fala com a gente, e ela está dizendo que algo mudou. Mas nossas vozes não chegam às mesas de decisão”, diz.
“A justiça climática no Brasil não pode ser discutida sem os quilombos. Se o mundo procura soluções para a crise do clima, precisa começar ouvindo aqueles que há séculos resistem, preservam e mantêm viva a floresta”, diz Andrey Santos, da Conaq Nacional.