O anúncio feito em 2025 de que brasileiros estariam liberados do visto para entrar na Guiana Francesa nunca chegou ao Oiapoque. A ponte continua limitada aos brasileiros, o visto segue obrigatório e a fronteira permanece como sempre foi: uma linha rígida sobre um território que vive de circulação. O gesto diplomático celebrado pelos governos não passou de um anúncio — e agora está travado por uma condição que o Brasil afirma não ter negociado.
O governador do Amapá, Clécio Luís, revelou que a isenção não entrou em vigor porque a França acrescentou, depois do anúncio oficial, um item inesperado. Ele afirma que “surgiu uma nova menção que não havia sido dita antes, que seria a possibilidade de extradição de presos brasileiros que estão na Guiana Francesa.”
O governador diz que a exigência pegou o governo brasileiro de surpresa. Segundo ele, “esse item nunca foi proposto em nenhuma negociação, seja entre o Governo Brasileiro e o Governo Francês, entre as diplomacias, e nem entre a cooperação transfronteiriça.”
A cobrança gerou desconforto até entre os presidentes. Clécio afirma que, em conversa recente, Emmanuel Macron reconheceu a contradição criada por seu próprio anúncio. De acordo com o governador, “o presidente Macron disse: ‘Temos que resolver, porque já foi anunciado e, quando foi anunciado, não havia essa questão a ser solucionada’”.
Com isso, a isenção comemorada como conquista bilateral se revelou incompleta, frágil e sem efeito prático. A incongruência entre discurso e realidade pesa mais justamente onde o anúncio deveria ter mais impacto: na vida da fronteira. Estima-se que 90 mil brasileiros vivem hoje na Guiana Francesa, o equivalente a um terço da população local.
A fronteira entre Oiapoque e Saint-Georges nunca dependeu exclusivamente de documentos. Atravessa-se por barco e por rotas improvisadas que existem há décadas. A ilegalidade, para muitos, é menos uma escolha que uma necessidade: empregos, famílias, serviços de saúde ou apenas turismo estão a poucos metros — mas separados pelo visto.
O governador reconhece que essa assimetria histórica é marcada também por desigualdade econômica. Ele afirma que “o ticket médio de renda de um guianense francês é muito mais alto que o de um trabalhador amapaense do Oiapoque.” Mas Clécio rejeita a ideia de que a diferença de renda justifique barreiras. Ele ressalta que “essa diferença nunca foi uma barreira para nós. Sempre fomos povos amigos.”
O problema, segundo ele, está na falta de equilíbrio diplomático. O governador afirma que “não é salutar a relação diplomática entre nenhum país quando não há o princípio da reciprocidade plenamente respeitado.” É justamente essa reciprocidade — franceses entram no Brasil sem visto, brasileiros não — que o anúncio prometia corrigir, mas não corrigiu.





