Durante um painel sobre ilegalismos e violências na Amazônia, a defensora de direitos humanos Dandara Rutsan, da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas, apresentou um diagnóstico contundente sobre como o crime organizado, o garimpo, os grandes empreendimentos e a política proibicionista se combinam para produzir novas camadas de expulsão e vulnerabilidade sobre povos tradicionais. Ribeirinha de Altamira (PA) — território marcado pela construção da usina de Belo Monte e pela tentativa de instalação da mineradora canadense Belo Sun na Volta Grande do Xingu — ela afirmou que a região vive um processo contínuo de desterritorialização, que agora inclui o avanço de mais de 400 pontos de refino de cocaína no Brasil, a maior parte situados na Amazônia, segundo a pesquisa Floresta em Pó.
“O Brasil não é mais apenas corredor. Agora refina cocaína. E para refinar cocaína se precisa de terra. Mais uma camada que nos expulsa”, disse. Dandara relatou casos recentes em que comunidades quilombolas foram impedidas de acessar áreas de coleta tradicional de sementes por homens armados instalados em barracões improvisados. “Apontaram armas e disseram para nunca mais voltarmos. Isso é o narco”, afirmou. Para ela, o centro do problema não é o crime organizado, mas a própria proibição, que estrutura mercados ilegais, financia facções e desloca populações inteiras. “O crime organizado é desdobramento da ausência de regulação. A proibição cria um mercado que destrói territórios e impede nossos modos de vida”, explicou.

A pesquisa Floresta em Pó, lançada pela Iniciativa Negra e conduzida com organizações parceiras, analisa a cadeia da coca desde Peru, Bolívia e Colômbia até a Amazônia brasileira. O estudo aponta que a criminalização impacta diretamente povos indígenas andinos para quem a coca é planta sagrada, além de alterar dinâmicas sociais e econômicas em cidades amazônicas brasileiras — onde a presença de refinarias clandestinas reconfigura relações de poder em comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas. “Nós temos o narco-garimpo, o narco-madeireiro e agora o narco-território”, disse.
Para Dandara, os impactos ambientais e climáticos são diretos: ao impedir o acesso das comunidades tradicionais ao território, o mercado ilegal inviabiliza modos de vida que mantêm a floresta em pé. “Se não conseguimos acessar nossos territórios, não conseguimos manter nossos modos de vida. E nossos modos de vida preservam a floresta e os rios”, alertou. Ela diz que a política proibicionista — não o uso de drogas em si — tem aprofundado a crise climática, pois amplia o controle territorial armado, acelera desmatamento associado às rotas e cria áreas sob comando de facções. “Se não mantemos a floresta em pé, a floresta vira floresta em pó”, disse, citando o título da pesquisa.
Dandara também criticou o Estado brasileiro por não permitir que a pesquisa fosse apresentada formalmente na COP. Para participar, a Iniciativa Negra teve de se articular com organizações da Colômbia. “O Estado não reconhece nossos dados porque são produzidos por nós, comunidades, ribeirinhos, quilombolas. Mas a geração cidadã de dados é hoje a maior representação de democracia”, afirmou. Ela defendeu a desconstrução da lógica de “dados oficiais”, que historicamente se baseiam em produção acadêmica distante do território. “nada de nós sem nós. Dados são poder, e por isso mesmo há disputa metodológica”.
Dandara reforçou ainda que discutir narcotráfico na Amazônia não pode ser feito sem enfrentar a política de drogas vigente. “Não existe justiça climática sem enfrentar a proibição. Não existe clima sem território e nem existe território sem povo”, concluiu.




