No gabinete repleto de referências culturais do Amapá e uma presença firme, o vice-governador Antônio Pinheiro Teles Júnior fala com a convicção de quem acredita estar redefinindo o papel da Amazônia. Economista e político de perfil técnico, ele se tornou um dos principais defensores da exploração de petróleo na Margem Equatorial, e uma das vozes mais críticas às conferências internacionais do clima. Nos últimos meses, suas declarações sobre a COP30 e o “ambientalismo distante da realidade amazônica” provocaram reações intensas dentro e fora do estado.
“Uma das questões que se colocava era que a Margem Equatorial só seria liberada depois da COP”, lembra, em entrevista. “Aí eu disse: ‘Ah, se for acontecer isso, então não vou participar’. Claro que eu tava brincando sobre a minha relevância nesse debate, que não é nenhuma, né? Mas isso acabou repercutindo fora de contexto.” A explicação é bem-humorada, mas o recado é político. Teles confirma a fala e reafirma a crítica: para ele, as conferências climáticas “perderam o contato com o cotidiano amazônico”. Ele questiona, “se a Amazônia é esse grande ativo ambiental do mundo, por que não conseguimos canalizar os recursos destinados à preservação para resolver os problemas concretos do cotidiano amazônico?”.
Essa ideia, a da Amazônia real, onde políticas públicas, emprego e infraestrutura são urgências diárias, atravessa toda a entrevista. Teles critica o que chama de “ambientalismo de gabinete”, formulado em centros urbanos que pouco conhecem a vida ribeirinha, indígena ou periférica. “As agendas internacionais dialogam com a Faria Lima, com o Leblon, com a elite intelectual do Brasil, mas não conversam com o caboclo, com o ribeirinho, com quem mora na periferia.”
O custo Amazônia e o preço do petróleo

Moradores do interior do Amapá dependem de pequenas embarcações para se locomover. Foto: Rudja Santos.
O vice-governador repete uma expressão que se tornou um mantra entre gestores da região: “o custo Amazônia”. Em tom técnico, descreve o desafio de administrar um estado isolado por rios e florestas, o transporte escolar de comunidades remotas, a merenda estocada por meses, a escassez de médicos e saneamento. “Um aluno do interior me custa quase o dobro do que um aluno da capital”, disse. “Eu tenho que pagar transporte, professor modular, infraestrutura mínima de escola, merenda e saúde. Tudo carece de financiamento. A relação médico-população do Amapá é a mais baixa do Brasil.”
O “custo Amazônia” é real, mas o uso político do termo não é novo. Ele reaparece em diferentes momentos da história brasileira para justificar megaprojetos na região. Nos anos 1970, a Transamazônica e as hidrelétricas de Tucuruí e Balbina foram defendidas com a mesma retórica: “integrar para desenvolver”. Décadas depois, as promessas se repetem com o petróleo. Além disso, a região da foz do rio Amazonas, entre o Amapá e o Pará, é considerada de alta sensibilidade ambiental por estudos de institutos como o Museu Paraense Emílio Goeldi e pesquisas acadêmicas recentes.
A costa abriga manguezais, recifes de corais e ecossistemas costeiros vulneráveis, que podem ser gravemente impactados por derramamentos de óleo. Modelagens de dispersão indicam que um eventual vazamento nessa área não afetaria apenas o litoral amapaense, mas poderia se estender às águas da Guiana Francesa e do Suriname. Apesar desses riscos, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) incluiu blocos na região entre os ofertados para exploração, evidenciando a delicadeza da operação diante da fragilidade ambiental e transfronteiriça da área.
Mas o discurso do vice-governador vai além de uma queixa administrativa, Teles vê na exploração de petróleo na Margem Equatorial “uma oportunidade histórica de protagonismo e geração de renda” para a região, tendo o argumento político e ideológico como ferramenta para justificar projetos de alto impacto ambiental. “Será que faz sentido o Amapá, que preserva 95% da sua floresta primária e é um estado carbono negativo, abrir mão da Margem Equatorial por causa da crise climática?”, provoca.
O argumento de que a exploração de petróleo na Amazônia Legal trará automaticamente emprego e desenvolvimento ignora experiências históricas no Brasil. No caso da Amazônia, com reduzida capacidade institucional e infraestrutura mais frágil, o risco de que a exploração petrolífera reproduza os mesmos problemas, preocupa; empregos concentrados em poucos setores, arrecadação pouco distribuída e impactos ambientais significativos, sem garantir desenvolvimento sustentável para as comunidades locais, são algumas das questões ainda em jogo.
Além disso, as prefeituras locais recebem apenas uma fração dos royalties, muitas vezes insuficiente para compensar os danos ambientais e sociais. O caso de Coari (AM), que recebe royalties da Petrobras desde os anos 1990, é um exemplo: três décadas após o boom do gás, o município ainda figura entre os mais pobres do estado. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de Coari é 0,59, considerado baixo. Já o Índice de Gini, que mede a desigualdade de renda numa escala de 0 (igualdade total) a 1 (desigualdade máxima), é de 0,64, revelando forte concentração de riqueza e contrastes sociais marcantes, mesmo com a presença da indústria de petróleo e gás.
Teles argumenta que “em nenhum momento durante esse debate o ambiente está sendo degradado. E, pelo contrário, ninguém quer aqui repetir erros que foram cometidos em outros lugares do mundo nesses processos de grande crescimento. A própria Amazônia, isso já aconteceu no passado. O que a gente quer aqui é fazer algo diferenciado”.

Antonio Guterres fala na Cúpula dos Líderes em Belém — Foto: Pablo PORCIUNCULA/AFP
Enquanto isso, durante os eventos da COP30 em Belém, o discurso é bem diferente do de Teles. António Guterres, atual Secretário-Geral das Nações Unidas, alertou que “fazer com que o aumento da temperatura global volte a ficar abaixo dos 1,5 graus até ao final do século, reforça a segurança energética, reduz a poluição e cria milhões de empregos dignos”, afirma o Secretário-Geral. “Os líderes devem aproveitar este momento e não perder tempo em: triplicar as energias renováveis e duplicar a eficiência energética até 2030; alcançar emissões líquidas zero a nível global até 2050 e avançar rapidamente para um caminho progressivo e irreversível de emissões líquidas negativas; e fazer com que o aumento da temperatura global volte a ficar abaixo dos 1,5 graus até ao final do século”, conclui Guterres.
Na contramão, autoridades do Amapá reforçam a aposta na exploração petrolífera. O ministro Waldez Góes afirma que a Margem Equatorial é “direito soberano” do Brasil, com promessas de geração de empregos e arrecadação de royalties que, segundo ele, poderiam transformar a economia local. A aposta em petróleo no Amapá, coloca o estado diante de um dilema: conciliar o desejo de desenvolvimento econômico imediato com os riscos ambientais e a transição energética global apontada por Guterres. Enquanto o mundo acelera a migração para fontes limpas, o Amapá permanece investindo em um modelo de crescimento que já apresenta sinais de vulnerabilidade, reforçando a necessidade de cautela e debate público aprofundado.
A fala escancara o abismo entre as agendas. Para Guterres, a transição energética precisa ser “justa, ordenada e equitativa”, mas sem retrocessos. Para Teles, o petróleo é parte da solução, não do problema, um discurso alinhado à estratégia da Petrobras, que voltou a priorizar o pré-sal e a Margem Equatorial em 2024, mesmo após alertas do Ibama sobre falhas de licenciamento e riscos de vazamento em áreas sensíveis.
39,62% da população do Amapá encontra-se em situação de vulnerabilidade, segundo a PNAD 2023. Foto: Rudja Santos
A defesa de Teles reflete o dilema dos governos amazônicos que tentam conciliar discurso verde e política desenvolvimentista. O Amapá preserva 95% de sua floresta, mas está entre os estados com maior taxa de pobreza do país, 39,62% da população em vulnerabilidade, segundo a PNAD 2023 e Estudo da Oxfam Brasil revela que estados da Região Norte e Nordeste concentram as maiores desigualdades no acesso à energia, refletindo um dos aspectos mais críticos da injustiça climática.
Na entrevista, Teles diz acreditar que o Amapá pode se tornar “um dos estados mais ricos da Federação em 30 anos”, com base em três pilares: o petróleo, o agronegócio e o manejo florestal sustentável. “A floresta em pé é o caminho, mas o desenvolvimento também passa por grãos, bioeconomia e energia”, afirmou.
Enquanto líderes mundiais discutem acordos sobre o clima na COP30 em Belém, o vice-governador confirma que o governo do Amapá participará oficialmente, mas ele próprio não irá. “Minha ausência é uma forma de protesto. Não vou compactuar com fóruns que ignoram a realidade de quem vive na Amazônia. É a maneira que tenho de ser ouvido.” A ausência de Teles na COP30 também simboliza outra coisa: a escolha de um caminho político que isola o Amapá dos debates globais justamente quando o planeta tenta frear sua dependência de petróleo. Mas para o vice-governador, a conferência não interessa a quem mora na Amazônia.




