A comunidade do Carvão, em Mazagão, sedia entre os dias 27 e 31 de outubro a III Semana Tomé Belo, um importante espaço de luta, resistência e debate focado no futuro das cadeias produtivas sustentáveis. O evento, realizado na Escola Família Agroextrativista do Carvão (EFAC), reúne estudantes, associações, cooperativas e o público em geral para discutir questões ambientais e climáticas, com especial atenção à COP30, que acontecerá em Belém. A programação inclui debates, oficinas, momentos culturais, e também serve como uma vitrine para a produção local, por meio de feiras e trocas de experiências, buscando levantar demandas e construir soluções comunitárias.
A Semana é uma homenagem a Tomé Belo, um líder social, agricultor e extrativista da própria comunidade que, emergindo de origem humilde, se tornou um incansável defensor de direitos. O evento ressalta o legado de pessoas que travaram lutas contra as injustiças sociais e a negação de direitos, notadamente durante o período do regime militar em comunidades rurais.
Joaquim Belo, diretor de relações interinstitucionais da Associação Nossa Amazônia, mantenedora da EFAC, enfatiza que a trajetória de líderes como Tomé Belo foi decisiva para a conservação ambiental.

“Tomé Belo sempre se incomodou muito com as injustiças sociais que aconteceram nos anos 80. Como ele foi sempre incomodado com isso tudo, ele na vida dele foi se doando nesse processo da defesa do direito. Foi um influente sindicalista, fundador de sindicatos no Amapá, da CUT e do PT, integrando uma geração fundamental para a institucionalidade da redemocratização do país”, comenta Joaquim Belo.
Joaquim Belo reforça a importância histórica desses líderes: “Eu digo que pessoas como Tomé Belo, como Pedro Ramos, e muitos outros, criaram essa estrutura agrária aqui no Amapá, sendo reconhecido como o estado mais preservado.” O encontro se estabelece, assim, como um momento de valorização da memória e de planejamento estratégico para um desenvolvimento amazônico mais justo e sustentável.
Cadeias produtivas sustentáveis
A discussão sobre cadeias produtivas sustentáveis e a crise climática passa, necessariamente, pela valorização da economia da agrobiodiversidade. É o que defende Joaquim Belo, destacando que esse sistema de produção não apenas desempenha um papel fundamental no equilíbrio climático, mas também gera uma economia que supre as necessidades das pessoas e impulsiona o mercado local das comunidades.

Belo ressalta, ainda, a importância de debater as diversas cadeias que compõem a produção amazônica, reforçando a interconexão vital entre elas. “Afinal de conta, você não tem o açaí se você não tiver as abelhas. Você não vai ter castanha se não tiver as abelhas. Você não vai ter floresta se você não tiver água,” exemplifica, sublinhando que é preciso juntar “tudo aquilo que forma essa riqueza que a gente tem.”
O debate se torna fundamental diante do cenário atual de crise climática. Segundo o líder, o avanço das mudanças do clima tem impactado seriamente a sociobioeconomia das comunidades. Por isso, a urgência em promover espaços de discussão, como a III Semana Tomé Belo, para construir caminhos de adaptação e resiliência.
Joaquim Belo frisa que esses temas, que muitas vezes não estão nas pautas das escolas tradicionais ou universidades, são o foco da Escola Família Agroextrativista do Carvão. “A nossa escola debate isso. Porque essa escola tem que estar totalmente relacionada com a vida concreta da vida das pessoas,” conclui, destacando o papel da instituição em conectar a educação com a realidade e a luta pela sustentabilidade.
Atuação na COP30
A realização da COP30 em Belém (PA) representa um momento importante para a Amazônia, que se prepara para sediar a Conferência do Clima em um contexto de crise ambiental e grande expectativa social. Para Joaquim Belo, enviado especial do governo brasileiro para a COP30 e liderança com décadas de experiência na defesa da Amazônia, o evento é um espaço que comunidades tradicionais têm que disputar o tempo todo, garantindo que as vozes da juventude, das mulheres e das lideranças sejam ouvidas.
Belo destaca a importância de envolver a juventude, que são os maiores impactados por não conseguir construir uma perspectiva de futuro devido às incertezas provocadas pela crise climática. Ele enxerga sua nomeação como enviado especial como parte da estratégia do governo federal de democratizar a COP30 e torná-la uma pauta de inclusão.
Seu papel é atuar como interlocutor, fazendo a ponte entre o acúmulo de conhecimento das comunidades e os processos de negociação. “Meu papel é fazer essa interlocução entre tudo que está sendo colocado, já que eu vou ter acesso em ambiente que poucos terão acesso,” explica. Ele defende que o resultado da COP30 deve ser regido pela democracia, inclusão e ética, pois “nós não temos mais tempo a perder com toda a crise que a gente está passando.”
Territórios e financiamento direto
A pauta primordial das comunidades tradicionais e povos indígenas na COP30 é o reconhecimento e a importância dos seus territórios de vivência – terras indígenas, quilombolas, reservas extrativistas (Resex) e reservas de desenvolvimento sustentável (RDS) – como espaços estratégicos para o equilíbrio climático.

Para sustentar esses territórios, a principal reivindicação é o financiamento. Belo argumenta que o dinheiro destinado à conservação das florestas tropicais precisa chegar de forma orgânica e robusta a quem realmente conserva, já que historicamente esses recursos se diluem e chegam em volume insuficiente.
Nesse sentido, ele menciona o esforço em torno da construção do Tropical Forest Forever Facility (TFFF), um mecanismo brasileiro que visa financiar as florestas tropicais. A luta é para que 20% de todos os investimentos do TFFF sejam direcionados diretamente às comunidades, garantindo a elas governança, gestão e boa aplicação dos recursos.
“O TFFF, por exemplo, para o estado do Amapá, é fundamental, porque é um estado conservado. E estados conservados não conseguem apresentar um grande projeto de REDD [Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal], porque o REDD é para diminuir o desmatamento. Já o TFFF, já é o contrário, ele vem para financiar quem cuida da floresta,” esclarece.
O Legado da COP30
O maior legado da COP30, na visão de Joaquim Belo, é o de ter “colocado o debate de clima na mesa das nossas comunidades na Amazônia.” Ao acontecer no Brasil e na região amazônica, a conferência abriu um amplo debate na ciência, saúde, entre comunidades e governos, trazendo o tema das mudanças climáticas para mais perto da população.
Outro ponto de legado é a mobilização social. “Temos uma esperança e um sonho de sairmos dessa COP30 com uma grande rede de articulação dos povos… para que a gente fortaleça nossas lutas, nossos mutirões, as nossas alianças em torno da vida,” conclui, defendendo a construção de uma “COP dos povos” para garantir maior participação nas decisões globais da ONU.




