A liberação da licença ambiental para a Petrobras perfurar um poço exploratório na Foz do Amazonas reacendeu um debate antigo sobre os riscos e promessas do petróleo na costa norte do país. O documento, concedido pelo Ibama em outubro de 2025, autoriza a estatal a iniciar a exploração no bloco FZA-M-59, a cerca de 160 quilômetros da foz do rio Oiapoque, no Amapá — uma das regiões mais sensíveis da Amazônia Azul.
Enquanto o governo federal e a Petrobras comemoram o avanço da chamada “nova fronteira energética”, pescadores artesanais e comunidades costeiras da fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa temem as consequências. Entre eles está Júlio Garcia, presidente da colônia de pesca Z-3 e pescador no Oiapoque há 45 anos.
“Explorar petróleo na Foz Amazônica é como explorar em qualquer lugar. Pode até trazer desenvolvimento, mas para nós pescadores não vemos grandes benefícios. A maioria é semi-analfabeta, e qual é o emprego que vão pegar na Petrobras? Vamos continuar pescando, do mesmo jeito”, diz Júlio.

A licença e as condicionantes
O Ibama anunciou que a autorização veio após “ajustes técnicos e cumprimento das exigências socioambientais”, como o plano de emergência para vazamento de óleo e o programa de monitoramento de mamíferos marinhos. A licença é válida por quatro anos e prevê que a Petrobras mantenha bases de apoio em Belém e em Oiapoque.
De acordo com o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, o licenciamento “segue critérios rigorosos de segurança ambiental” e tem acompanhamento de órgãos federais e estaduais. A Petrobras, em nota, afirmou que a perfuração será feita “com responsabilidade socioambiental e diálogo permanente com comunidades locais”.
Mas na prática, o “diálogo” ainda parece tímido para quem vive do mar. “Depois de muita pressão, eles começaram a vir conversar e informar o que estão fazendo. Alguns pescadores já começaram a dar apoio com os barcos quando precisam. É pouco, mas pelo menos estão conversando”, conta Júlio.
Um mar em mudança
As transformações na costa já são perceptíveis para quem depende dela. O pescador relata mudanças na coloração da água, na quantidade e no tamanho dos peixes.
“Tem um sargaço que está encostando muito na nossa costa. Quando morre, deixa a água barrenta e difícil. Isso muda a reprodução dos peixes. E o clima também mudou muito, tem alterado tudo.”
“O peixe está diminuindo de tamanho e a quantidade também. Antes pegávamos muito mais. As grandes indústrias pesqueiras estão levando demais, usam rede com malha pequena, pegam muito peixe pequeno.”
Entre as espécies mais pescadas estão a pescada amarela, a corvina (canguçu), a gurijuba, a uritinga e o bagre — base da economia pesqueira local. Mas, segundo Júlio, a competição com grandes embarcações e o custo alto do combustível têm afogado o pequeno pescador.
“Hoje está mais difícil. O combustível, o gelo, os alimentos — tudo ficou caro. E os barcos grandes vêm de outros estados e não deixam o pescador pequeno pescar.”

Fronteira vulnerável
A costa do Oiapoque é marcada por fragilidades logísticas e ambientais. A região abriga comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas, além de estar próxima ao Parque Nacional do Cabo Orange e à fronteira marítima com a Guiana Francesa. Um eventual vazamento de óleo poderia atingir áreas de difícil acesso e afetar o ecossistema costeiro compartilhado entre os dois países.
“Se algo der errado, vai afetar muito. A gente está bem na fronteira, não tem pra onde correr. Se vier uma maré de óleo, atinge a Guiana, as aldeias e os pescadores daqui. Isso mexe com toda a economia do Amapá”, alerta Júlio.
Entre o progresso e o risco
O governo federal tem defendido a exploração como parte da “transição energética brasileira”. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a afirmar que “é possível explorar petróleo na Amazônia de forma responsável”, e que o país não pode abrir mão de conhecer suas reservas.
Mas especialistas e ambientalistas apontam que a região é um dos ecossistemas menos estudados do Atlântico e que a perfuração poderia afetar os recifes amazônicos, descobertos em 2016. Um parecer técnico do próprio Ibama, emitido em 2023, já havia alertado para lacunas nos estudos ambientais apresentados pela Petrobras — o que levou à negativa inicial da licença naquele ano.
A reviravolta de 2025 marca, assim, não apenas um avanço técnico da empresa, mas também um gesto político: o sinal verde para o início da exploração em uma das áreas mais contestadas do país.
Enquanto os debates se desenrolam em Brasília, nas águas do extremo norte o sentimento é outro — o de incerteza.
“O que a gente espera é que não aconteça nenhum acidente. Mas se acontecer, quem vai sofrer primeiro somos nós”, diz Júlio, olhando o rio Oiapoque ao cair da tarde.




